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Como as Big Techs se uniram para semear o divisionismo entre agentes reguladores

Big Techs superaram as diferenças entre si e se uniram para dividir republicanos e democratas que tentavam fazer uma regulamentação econômica para o setor. Não estamos falando de um movimento de discurso público apenas, mas do investimento de bilhões em lobby, acima até do investimento de indústrias como a farmacêutica e de armas.

 

A campanha foi classificada como épica pela Bloomberg, que ouviu 45 pessoas envolvidas nos esforços para esmagar duas legislações, uma de democratas e outra de republicanos. As Big Techs tiveram sucesso e as leis foram enterradas esta semana. Não farão parte do pacote final de votações do Congresso, divulgado na última segunda-feira. Podem eventualmente ser pautadas depois, mas o movimento foi marcante para os legisladores.

 

As iniciativas legislativas foram derivadas de uma investigação de 18 meses conduzida pelo democrata de Rhode Island David Cicilline. Não foi ele, no entanto, que sugeriu as leis.

 

A primeira era o “American Innovation and Choice Online Act” que impediria as Big Techs de usar suas plataformas para tirar vantagens de novos competidores e esmagar novos players do mercado. O “Open App Markets Act” seria a regulamentação de Apple e Google sobre as lojas de aplicativos dos telefones celulares.

 

Ambas iniciativas foram tratadas como uma ameaça à sobrevivência da indústria em si pela coalizão formada por Apple, Amazon, Facebook e Google. Democratas e republicanos pareciam ter as mesmas ideias sobre as leis, que tendiam a ser aprovadas. O lobby investiu em insuflar o divisionismo entre os partidos.

 

O lobby criou narrativas de publicidade e imprensa, financiar grupos de pressão, enviar lobistas a Washington e também investir em campanhas de políticos. Somente em publicidade voltada aos argumentos que amedrontavam republicanos e democratas com perda de votos foram gastos US$ 130 milhões. Outros USS 100 milhões foram gastos especificamente com lobby.

 

A artilharia contra os republicanos era focada em liberdade de expressão e liberdade de mercado. Campanhas ferozes, locais e nacionais, das Big Techs e de seus grupos financiados, argumentavam que a regulamentação castraria a liberdade.

 

Na realidade, era o oposto. Somente com a regulação haveria liberdade de mercado nesse segmento específico. Ele é controlado por um punhado de gigantes que usa seu poderio tecnológico para esmagar e tirar do cenário qualquer outro competidor.

 

A campanha que mirava os democratas era centrada nos argumentos de que a nova legislação seria prejudicial para as minorias e reduziria a privacidade online, já que o governo controlaria as empresas.

 

Novamente, a realidade é o oposto. Se apenas um punhado de empresas controla todo novo segmento da hipercomunicação, são elas que colocam as mãos sobre a privacidade das pessoas. As diversas brechas e problemas que já surgiram nesse campo no mundo todo deixam claro que deixar as coisas como estão não é solução.

 

Além disso, com poder global de comunicação e investimentos poderosos, as Big Techs investem no discurso divisionista do identitarismo, que impede qualquer tipo de avanço para as minorias. Ao fragmentar a sociedade em grupos de oprimidos colocados uns contra os outros, essas empresas se colocam como gatekeepers da inclusão.

 

O poder não é dado a nenhuma minoria, é cedido momentaneamente por quem já está no poder aos representantes de minorias que se mantenham na narrativa divisionista criada pelas Big Techs.

 

Elas e suas plataformas se tornam o símbolo da defesa de minorias, aniquilando qualquer possibilidade de avanço real ou diminuição do poderio de um setor tão predatório.

 

Houve obviamente problemas de negociação por parte dos autores das leis. Políticos sucumbiram ao discurso de que perderiam votos e muitas vezes se deixaram levar pelas rivalidades pessoais durante as negociações.

 

Divisionismo é uma das formas mais antigas de conquistar poder e, aparentemente, é uma ferramenta utilizada com frequência pelas Big Techs na defesa de seus interesses. São empresas pragmáticas que sabem colocar os antagonismos no armário quando interessa dividir grupos que possam regular sua atuação.

 

Os legisladores garantiam ter votos suficientes para aprovar as duas regulações ainda este ano. Elas deveriam ir a plenário, estavam prontas. O líder da maioria, senador Chuck Schumer, tomou a decisão de não levar nada a voto, garantindo que não havia número suficiente para aprovação. As filhas dele trabalham na Amazon e Facebook.

 

É uma derrota importante, mas o mesmo movimento foi feito na União Europeia e acabou vencido pelas autoridades. O Think Tank Economy Security project acredita que é apenas uma questão de tempo.

 

Para o diretor de relações governamentais, antimonopólio e políticas de competição da organização, Alex Harman, as Big Techs estão apenas adiando o inevitável. “Elas não estão ganhando, estão perdendo em câmera lenta”, sentencia.

 

Não há dúvidas que as Big Techs trazem muitas inovações importantíssimas que mudam as possibilidades e as vidas das pessoas. Isso não dá a elas o direito de substituir a institucionalidade e governar o mundo como bem queiram. Estamos justamente presenciando o freio de arrumação.

Madeleine Lackso